Por Renato Cancian*
Nas décadas de 60 e 70, o movimento estudantil universitário brasileiro se transformou num importante foco de mobilização social. Sua força adveio da capacidade de mobilizar expressivos contingentes de estudantes para participarem ativamente da vida política do país.
Dispondo de inúmeras organizações representativas de âmbito universitário (os DCEs: diretórios centrais estudantis), estadual (as UEEs: uniões estaduais dos estudantes) e nacional (representada pela UNE: União Nacional dos Estudantes), o movimento estudantil, com suas reivindicações, protestos e manifestações, influenciou significativamente os rumos da política nacional.
A expansão das universidades
Para entender como o movimento estudantil universitário tornou-se um importante fator político devemos, primeiramente, considerar algumas mudanças que afetaram o sistema de ensino superior público do país. No final da década de 50, ele começou a crescer, com a criação de inúmeras faculdades e universidades. Num país em desenvolvimento, o acesso ao ensino superior passou a ser condição fundamental para acelerar o processo de modernização, ao mesmo tempo que abria novos caminhos para a mobilidade e ascensão social.
Sua expansão resultou num aumento progressivo da oferta de vagas, que foram preenchidas por jovens provenientes, sobretudo, dos estratos médios da sociedade. As matrículas cresceram a uma taxa média de 12,5 % ao ano. Para traçar um panorama do aumento das vagas, basta constatar que, em 1945, a universidade brasileira contava com 27.253 estudantes, total que saltou para 107.299 no ano de 1962. Em 1968, o número de universitários dobrou, chegando a 214 mil.
Ideologia e política
O aumento do número de estudantes coincidiu com o crescimento e consolidação de novas correntes políticas no meio universitário, que passaram a liderá-lo através do controle dos principais cargos nas mais importantes organizações estudantis. As novas correntes políticas se tornaram hegemônicas e defendiam ideologias ligadas à esquerda marxista (ou seja, um projeto socialista de transformação da ordem social).
Essas correntes esquerdistas foram bem sucedidas ao canalizarem a crescente insatisfação da massa jovem diante das deficiências e problemas do sistema de ensino superior. Desse modo, a década de 60 presenciou as primeiras grandes mobilizações em defesa de reivindicações de caráter educacional. Na primeira metade dos anos 60, a chamada "Reforma da Universidade" consistiu na mais importante luta do movimento estudantil.
Golpe de 1964
O golpe militar repercutiu significativamente no movimento estudantil. A influência das correntes políticas de esquerda levou as autoridades militares a reprimirem as lideranças estudantis e desarticularem as principais organizações representativas. Primeiramente a UNE foi posta na ilegalidade, depois as UEEs e os DCEs. Foram criadas novas organizações e novos procedimentos foram adotados para seleção de seus representantes.
As constantes tentativas das lideranças estudantis de retomarem o controle das organizações foi o principal fator a desencadear novas ondas de repressão política. Desse modo, reivindicações educacionais e manifestações de protesto político contra o governo militar foram as principais bandeiras de luta do movimento na segunda metade da década de 60. O ápice da radicalização dos grupos estudantis ocorreu em 1968, ano marcado por grandes manifestações de rua contra a ditadura militar.
O auge da repressão
O que parecia ser uma breve intervenção militar na política acabou se
transformando numa ditadura que reprimiu violentamente grupos e movimentos de oposição. De 1969 a 1973, a coerção política atingiu o seu ápice. Neste período, o movimento estudantil foi completamente desarticulado. A maior parte dos militantes e líderes estudantis ingressou em organizações de luta armada para tentar derrubar o governo.
Em 1973, os militares derrotaram todas as organizações que pegaram em armas. Somente em 1974 começaram a surgir os primeiros sinais da recuperação do movimento estudantil. A nova geração de estudantes, que militaram e lideraram as frentes universitárias da década de 70, teve pela frente o árduo trabalho de reconstruir as organizações estudantis.
A retomada
O período em que o movimento estudantil voltou a ter força coincidiu com uma mudança importante nos rumos da política nacional. Após a escolha do general Ernesto Geisel para a Presidência da República teve início a implementação do projeto de liberalização política, que previa a redemocratização do país.
Foi um processo lento e gradual, que durou até o final dos governos militares. É importante ressaltar que, neste período, a volta do movimento estudantil não desencadeou ondas de repressão política como as que foram presenciadas no final da década de 60 e início da década de 70. A ditadura já não contava com apoio popular e até mesmo as elites começaram a dirigir duras críticas contra o governo militar. A luta contra a ditadura foi travada com a bandeira das liberdades democráticas.
O ápice da retomada se deu em 1977, ano marcado pela saída dos estudantes para as ruas. Grandes manifestações de protesto e passeatas públicas mobilizaram os estudantes em defesa da democracia. As reivindicações de caráter educacional não obtiveram grande destaque. Foram as reivindicações de caráter político (defesa das liberdades democráticas, fim das prisões e torturas e anistia ampla, geral e irrestrita) que se tornaram a grande força motivacional a mobilizar os estudantes. Passo a passo, as principais organizações estudantis foram reconstruídas. Primeiramente surgiram os DCEs-livres, em seguida as UEEs e, finalmente, em 1979, a UNE foi refundada.
Declínio e os "caras-pintadas"
Ironicamente, no final da década de 70, apesar das principais organizações estarem em pleno funcionamento, o movimento estudantil universitário havia perdido sua força e prestígio político. Desde o final da ditadura militar, a importância do movimento estudantil tem declinado significativamente. Em 1992, o amplo movimento social de oposição ao presidente Fernando Collor de Mello fez ressurgir o movimento estudantil, mas apenas por um breve período.
*Renato Cancian é cientista social, mestre em sociologia-política e doutorando em ciências sociais. É autor do livro "Comissão Justiça e Paz de São Paulo: gênese e atuação política - 1972-1985".
Nas décadas de 60 e 70, o movimento estudantil universitário brasileiro se transformou num importante foco de mobilização social. Sua força adveio da capacidade de mobilizar expressivos contingentes de estudantes para participarem ativamente da vida política do país.
Dispondo de inúmeras organizações representativas de âmbito universitário (os DCEs: diretórios centrais estudantis), estadual (as UEEs: uniões estaduais dos estudantes) e nacional (representada pela UNE: União Nacional dos Estudantes), o movimento estudantil, com suas reivindicações, protestos e manifestações, influenciou significativamente os rumos da política nacional.
A expansão das universidades
Para entender como o movimento estudantil universitário tornou-se um importante fator político devemos, primeiramente, considerar algumas mudanças que afetaram o sistema de ensino superior público do país. No final da década de 50, ele começou a crescer, com a criação de inúmeras faculdades e universidades. Num país em desenvolvimento, o acesso ao ensino superior passou a ser condição fundamental para acelerar o processo de modernização, ao mesmo tempo que abria novos caminhos para a mobilidade e ascensão social.
Sua expansão resultou num aumento progressivo da oferta de vagas, que foram preenchidas por jovens provenientes, sobretudo, dos estratos médios da sociedade. As matrículas cresceram a uma taxa média de 12,5 % ao ano. Para traçar um panorama do aumento das vagas, basta constatar que, em 1945, a universidade brasileira contava com 27.253 estudantes, total que saltou para 107.299 no ano de 1962. Em 1968, o número de universitários dobrou, chegando a 214 mil.
Ideologia e política
O aumento do número de estudantes coincidiu com o crescimento e consolidação de novas correntes políticas no meio universitário, que passaram a liderá-lo através do controle dos principais cargos nas mais importantes organizações estudantis. As novas correntes políticas se tornaram hegemônicas e defendiam ideologias ligadas à esquerda marxista (ou seja, um projeto socialista de transformação da ordem social).
Essas correntes esquerdistas foram bem sucedidas ao canalizarem a crescente insatisfação da massa jovem diante das deficiências e problemas do sistema de ensino superior. Desse modo, a década de 60 presenciou as primeiras grandes mobilizações em defesa de reivindicações de caráter educacional. Na primeira metade dos anos 60, a chamada "Reforma da Universidade" consistiu na mais importante luta do movimento estudantil.
Golpe de 1964
O golpe militar repercutiu significativamente no movimento estudantil. A influência das correntes políticas de esquerda levou as autoridades militares a reprimirem as lideranças estudantis e desarticularem as principais organizações representativas. Primeiramente a UNE foi posta na ilegalidade, depois as UEEs e os DCEs. Foram criadas novas organizações e novos procedimentos foram adotados para seleção de seus representantes.
As constantes tentativas das lideranças estudantis de retomarem o controle das organizações foi o principal fator a desencadear novas ondas de repressão política. Desse modo, reivindicações educacionais e manifestações de protesto político contra o governo militar foram as principais bandeiras de luta do movimento na segunda metade da década de 60. O ápice da radicalização dos grupos estudantis ocorreu em 1968, ano marcado por grandes manifestações de rua contra a ditadura militar.
O auge da repressão
O que parecia ser uma breve intervenção militar na política acabou se
transformando numa ditadura que reprimiu violentamente grupos e movimentos de oposição. De 1969 a 1973, a coerção política atingiu o seu ápice. Neste período, o movimento estudantil foi completamente desarticulado. A maior parte dos militantes e líderes estudantis ingressou em organizações de luta armada para tentar derrubar o governo.
Em 1973, os militares derrotaram todas as organizações que pegaram em armas. Somente em 1974 começaram a surgir os primeiros sinais da recuperação do movimento estudantil. A nova geração de estudantes, que militaram e lideraram as frentes universitárias da década de 70, teve pela frente o árduo trabalho de reconstruir as organizações estudantis.
A retomada
O período em que o movimento estudantil voltou a ter força coincidiu com uma mudança importante nos rumos da política nacional. Após a escolha do general Ernesto Geisel para a Presidência da República teve início a implementação do projeto de liberalização política, que previa a redemocratização do país.
Foi um processo lento e gradual, que durou até o final dos governos militares. É importante ressaltar que, neste período, a volta do movimento estudantil não desencadeou ondas de repressão política como as que foram presenciadas no final da década de 60 e início da década de 70. A ditadura já não contava com apoio popular e até mesmo as elites começaram a dirigir duras críticas contra o governo militar. A luta contra a ditadura foi travada com a bandeira das liberdades democráticas.
O ápice da retomada se deu em 1977, ano marcado pela saída dos estudantes para as ruas. Grandes manifestações de protesto e passeatas públicas mobilizaram os estudantes em defesa da democracia. As reivindicações de caráter educacional não obtiveram grande destaque. Foram as reivindicações de caráter político (defesa das liberdades democráticas, fim das prisões e torturas e anistia ampla, geral e irrestrita) que se tornaram a grande força motivacional a mobilizar os estudantes. Passo a passo, as principais organizações estudantis foram reconstruídas. Primeiramente surgiram os DCEs-livres, em seguida as UEEs e, finalmente, em 1979, a UNE foi refundada.
Declínio e os "caras-pintadas"
Ironicamente, no final da década de 70, apesar das principais organizações estarem em pleno funcionamento, o movimento estudantil universitário havia perdido sua força e prestígio político. Desde o final da ditadura militar, a importância do movimento estudantil tem declinado significativamente. Em 1992, o amplo movimento social de oposição ao presidente Fernando Collor de Mello fez ressurgir o movimento estudantil, mas apenas por um breve período.
*Renato Cancian é cientista social, mestre em sociologia-política e doutorando em ciências sociais. É autor do livro "Comissão Justiça e Paz de São Paulo: gênese e atuação política - 1972-1985".
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